INTERVENÇÃO PROFERIDA POR OCASIÃO DO LANÇAMENTO DO SIMPLIFICA

Adão de Almeida
Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República


08/07/2021 Luanda

Excelências

Minhas senhoras e meus senhores

A importante agenda diplomática em prol da Paz no nosso continente não permite que Sua Excelência JOÃO MANUEL GONÇALVES LOURENÇO, Presidente da República, esteja connosco nesta sessão. Fui incumbido de o representar e de proferir algumas palavras nesta ocasião, o que muito me honra.

Comecei a construir as ideias sobre o que diria e alterei algumas vezes as perspectivas de abordagem. Decidi, por fim, propor-vos uma reflexão conjunta sobre nós, sobre o nosso Estado, sobre a nossa relação com o Estado, enfim, sobre para que serve o nosso Estado.


Sugiro que o nosso reflectir conjunto comece com alguns “porquês”.

  • Porquê que alguns de nós, talvez não sejamos poucos, tem uma relação pouco aprazível com a administração pública no que respeita à busca por serviços públicos?
  • Porquê que muitos, talvez não poucos, preferem ir a um banco (ou a outra instituição privada) do que ir à busca de um serviço público?
  • Porquê que muitas vezes, talvez não poucas, sentimos que certos serviços públicos são lentos, excessivamente burocráticos, complicados e ineficientes?
  • Porquê que alguns de nós, espero que poucos, para ir a um serviço público tem antes de contactar um parente, um conhecido, enfim, para garantir que terá um atendimento pronto e célere?
  • Porquê que por vezes, infelizmente mais do que o necessário, para um documento o cidadão passa por duas, três, por vezes mais instituições públicas?
  • Porquê que certos documentos e licenças têm prazo de validade, ou têm prazo excessivamente curto, fazendo com que o cidadão tenha de voltar à administração pública para, em pouco tempo, demandar o mesmo serviço?
  • Porquê que a administração pública solicita ao cidadão, não poucas vezes, documentos e informações que ela própria emite e dispõe?
  • Porquê que alguns cidadãos preferem exercer uma actividade à margem da lei ou pela via informal ao invés de obter as competentes autorizações e licenças da administração pública?

A lista podia continuar, mas creio que a apresentada é suficiente para estimular a nossa reflexão conjunta.

Mais do que perguntas, esses “porquês” carregam inquietações do nosso quotidiano com a administração pública, suscitam respostas diferentes e recomendam acção urgente. Podemos divergir quanto aos caminhos alternativos a escolher, mas creio que pelo menos dois pilares devem ser comuns entre nós.

O primeiro pilar é a recusa da resposta “é assim porque sempre fizemos assim”ou “porque sempre foi assim”. Peço-vos também que tenhamos uma protecção forte contra o vírus do “não adianta alterar porque a roda já foi inventada há muito tempo”. Se aceitarmos o aprisionamento definido “pela roda já inventada” estaremos não só a aceitar ser “um corpo inerte” que aceita usar uma roda mesmo que ela não lhe sirva, como também a ignorar que a roda é obra humana e, como tal, pode ser aperfeiçoada.

O segundo pilar é a rejeição da ideia de que não podemos ser melhores, de que não podemos ambicionar a excelência. O que somos hoje não é o nosso limite! Ninguém nos pode impedir de sonhar com mais. Nem nós mesmos.

O mundo do século XXI é de mutação rápida, de adaptação permanente e, convém não ignorarmos, em competição desigual. Cada dia que perdemos pode ser irrecuperável na competição entre as Nações, mas sobretudo na competição connosco próprios para sermos cada vez melhores. Ninguém espera por ninguém! Cabe a nós decidir se redireccionamos a visão e aceleramos a marcha ou se estagnamos onde nos encontramos. Contudo, não tenhamos dúvidas: o custo da inacção é alto!

Minhas senhoras e meus senhores,

Comecei propondo-vos uma reflexão sobre o que é a nossa administração pública. Sugiro agora uma reflexão sobre o que queremos que ela seja, sobre o nosso sonho. Sim! O nosso sonho colectivo, a nossa visão comum. Também aqui as respostas poderão ser diferentes e, sobretudo, as opções de percurso a seguir serão divergentes. É possível e recomendável, contudo, que tenhamos uma base comum para construirmos a nossa visão. Ela pode resumir-se numa palavra: EXCELÊNCIA.

O nosso ponto de partida não pode ser outro. Ali onde ela exista, precisamos de substituir a cultura da mediocridade pela da EXCELÊNCIA. Fazer hoje não pode ser igual a fazer amanhã. Fazer bem não pode ser igual a fazer mal. Fazer não pode ser igual a não fazer.

Caros presentes,

Contrariamente ao que a análise apriorística nos possa levar a crer, prestar serviço público de qualidade é mais barato do que prestá-lo sem qualidade. Quando a administração pública é ineficiente em relação aos serviços que presta, torna-se desacreditada, perde autoridade e pode gerar desestruturação social. Assim como o da inacção, também o custo da ineficiência é alto.

Inverter o ciclo e fazer uma trajectória rumo à excelência não chega a ser uma opção. É uma obrigação! Buscar a excelência na prestação do serviço público é difícil, leva tempo e exige muito trabalho. É um processo infinito que impõe novos desafios em cada momento. Só se mantém na rota da excelência quem não pára de buscar o progresso.

O SIMPLIFICA pretende ser apenas mais um contributo nesta direcção, sem quaisquer pretenções ou vocações de ser um instrumento para resolver todos os problemas. Aliás, citando Nietzsche, “a sabedoria também traça limites ao conhecimento”. Não esperemos dele, por isso, mais do que ele pretende ser, nem mais do que ele sabe que não pode ser. Ele é apenas um contributo.

Contudo, o SIMPLIFICA não pretende ser apenas um projecto. Ele ambiciona ser um sonho de administração pública. Ora, proponho-vos agora que sonhemos. Não com o que queremos, mas com algumas das muitas coisas que temos que fazer para que o nosso sonho de termos uma administração pública de excelência se torne realidade. Os ingredientes para tal serão muitos, sem dúvidas. Durante esses minutos de sonho concentremo-nos nalguns.

Talvez o ponto de partida seja a correcção de um mal entendido existencial, a correcção de um equívoco ao respeito das funções do Estado. Para que serve o Estado? Onde ele deve estar e onde a sua presença é dispensável? As respostas são muitas e, não poucas vezes, influenciadas por pre-compreensões ideológicas. O mito de que o Estado serve para tudo e tem vocação para todas as tarefas precisa de ser corrigido. O mesmo é válido para o mito de que o Estado não serve para nada e que quanto menos melhor. A necessidade de existência do Estado é inquestionável e, na justa medida, a sua intervenção é incontornável. Porém, quando o Estado se propõe fazer mais do que é necessário ou mais do que é capaz, abre espaço para a ineficiência. Para SIMPLIFICAR, o Estado tem que deixar de fazer o que não é necessário e concentrar-se, para fazer bem, o que essencial. Quando, por exemplo, o Estado determina a obrigatoriedade de renovação de licenças ou de documento desnecessários, convoca os cidadãos para a administração pública desnecessariamente, provoca desperdício de tempo e de recursos a ambos e diminui a capacidade de a administração pública fazer o que é realmente necessário. Deste modo, o SIMPLIFICA preconiza um caminho com vista a eliminação faseada e responsável do que é dispensável e o alargamento do prazo de validade de várias licenças e documentos. Com isso, diminuimos substancialmente as vezes em que o cidadão tem que se dirigir à administração pública e aumentamos o potencial de os serviços necessários sejam prestados com melhor qualidade.

O segundo aspecto do nosso sonho sobre que vos proponho reflectir é uma cultura administrativa que precisa de ser superada com urgência. A nossa administração pública é departamentalizada. Se é útil para efeitos de organização, já é questionável para efeitos de definição do modo do agir público. A departamentalização da acção administrativa gera confusão, reduz eficiência, duplica a intervenção pública e complica a vida do cidadão. Salvaguardadas as devidas excepções, se, para um mesmo fim, o cidadão tem de passar por várias instituições públicas, significa que alguma coisa não está bem. Para superarmos essa cultura administrativa precisamos de assumir dois princípios: em primeiro lugar, a administração pública é uma e única. Deve comportar-se como tal quando presta serviço ao cidadão. Em segundo lugar, para o cidadão é irrelevante se o serviço é prestado pelo departamento A ou o departamento B. O que o cidadão precisa é tão-somente que o serviço seja prestado com qualidade.

Neste particular, o SIMPLIFICA propõe um caminho com vista a integração de processos e procedimentos entre os vários serviços públicos, sempre que possível e recomendável. Sem ignorar a organização do Estado e a repartição de competências entre as diferentes estruturas administrativas, podemos construir cada vez mais soluções que promovam a integração entre os diferentes serviços. Os cidadãos e as empresas sairão a ganhar e, por consequência, também sairá o Estado. De resto, já há bons exemplos na nossa administração pública que nos mostram que é um sonho ao nosso alcance.

Podemos também incluir no nosso sonho uma melhor relação entre o cidadão e a administração pública, que, mais do que um pacto social, seja uma verdadeira parceria social. Se é verdade que sem cidadão não há Estado, não é menos verdade que é impensável a convivência social sem o Estado. O Estado existe para o cidadão e este precisa do Estado. Ambos têm direitos e obrigações. Perceber isso é o ponto de partida para uma melhor relação, a qual deve assentar na confiança mútua e no reconhecimento e respeito pela autoridade do Estado. Muito do discurso comum coloca o acento tónico no Estado e nas suas responsabilidades. Não é incorrecto, mas é incompleto. Quando sonhamos com melhor serviço público, o papel do cidadão não pode ser negligenciado. O cidadão também tem obrigações! Quando existe um prazo para prestar um serviço e o cidadão escolhe deixar para o último dia a sua ida à administração pública, não está a contribuir para uma melhor prestação de serviço. Quando o cidadão trata um documento e depois não se preocupa em ir levantá-lo, contribui para a ineficiência da administração pública, na medida em que provoca desperdício de tempo e de recursos financeiros. Façamos o seguinte exercício: o inquérito realizado sobre a percepção dos cidadãos sobre os serviços públicos questionou sobre qual o documento mais difícil de tratar. A resposta foi bilhete de identidade. Ao mesmo tempo, tomamos conhecimento ontem de dados do Ministério da Justiça e Direitos Humanos segundo os quais estão por levantar 713 mil bilhetes de identidade, sendo 244 mil só na Província de Luanda. Se o custo médio do cartão do bilhete de identidade for de cerca de USD 7,00, significa que o Estado, por via do dinheiro dos contribuintes, gastou perto de USD 5.000.000. Por outro lado, se o sistema atender em média 10.000 cidadãos por dia, significa que estes 713.000 cidadãos que não foram levantar os seus bilhetes de identidade provocaram um desperdício de cerca de 70 dias de trabalho.

Os dados apresentados não nos permitem tirar conclusão diferente: a melhoria na prestação dos serviços públicos não depende apenas do Estado, mas também do cidadão que demanda o serviço. Fazer com que cada cidadão perceba isso é tarefa de todos nós.

Distintos convidados

Minhas senhoras e meus senhores

No mundo de hoje, com uma cada vez maior demanda por serviços públicos, aliada à necessidade de serem prestados com cada vez mais celeridade e de modo cada vez mais próximo, temos que ambicionar uma mais rápida e efectiva transição digital. A administração pública do papel e da presença física é coisa do passado e não tem retorno. Já foi o tempo em que aproximar serviços era igual a construir instalações nas várias partes do País para que o cidadão a ela se dirija à busca do serviço. A transição para o digital é uma imposição do mundo em que vivemos.

Para o caso do nosso País, dois aspectos devem ser vistos como incentivos adicionais: a extensão territorial e o perfil etário da população. Um País imenso como o nosso, não pode ambicionar chegar fisicamente a todas as partes do território para prestar serviço público. Por outro lado, ter uma população maioritariamente jovem, menos resistente à mudança e mais familiarizada com a utilização das novas tecnologias é um activo que não podemos desperdiçar.

Os bons exemplos que existem devem ser maximizados. O desafio é enorme, mas fazer hoje uma aposta séria e estratégica numa administração pública digital é crucial se quisermos elevar os nossos padrões de qualidade e de eficiência e se quisermos competir com as outras Nações. Como atrás ficou dito, o custo da inacção é muito alto. Grandes desafios fazem grandes Nações.

É nosso desejo que o Instituto para a Modernização Administrativa, recentemente criado, seja um elemento importante e catalizador para uma cada vez maior digitalização no agir da nossa administração pública, assegurando, contudo, que a eventual exclusão digital não seja uma barreira para o acesso aos serviços públicos por parte de vários cidadãos.

Noutro domínio, parece cada vez mais claro que quanto maior a digitalização dos serviços públicos, menor a burocracia. Em muito casos, o excesso de burocracia tem sustentado a lógica do “forjar as dificuldades para vender as facilidades”. Isto é, dificultar a prestação do serviço para que o cidadão seja “forçado” a pagar ilegalmente pelo serviço. A isso chamamos “corrupção”. O mesmo é dizer que o excesso de burocracia gera corrupção. Se conseguirmos SIMPLIFICAR, diminuindo burocracia e digitalizando os serviços, diminuiremos a corrupção nos serviços públicos. Nesta perspectiva, o SIMPLIFICA é também um instrumento ao serviço do combate à corrupção na administração pública. Portanto, o nosso objectivo estratégico de diversificar a economia e incentivar o investimento privado, nacional e estrangeiro, ficará seriamente comprometido se não formos capazes de melhorar a nossa capacidade de prestar serviços públicos.

Excelências,

O nosso sonho de ter uma administração pública de excelência tornar-se-á um pesadelo se não prestarmos atenção ao principal factor de sucesso: o capital humano. O nosso investimento na formação contínua dos funcionários e agentes administrativos tem que ser maior.

A relação entre a Reforma do Estado e o capital humano tem que ser vista a partir de várias perspectivas. Primeiro na perspectiva da resistência à mudança motivada pelo enclausuramento no status quo. Haverá os que resistirão à mudança porque preferem manter-se na sua zona de conforto. Os exemplos de reforma bem sucedidas como é o caso da reforma tributária que deu lugar ao surgimento da Administração Geral Tributária permitem-nos acreditar que é possível vencer a resistência à mudança.

A segunda perspectiva de intervenção incide sobre os cépticos. Não há reforma sem haver quem acha, de antemão, que vai dar errado.

Por isso, para fazermos reformas bem sucedidas precisamos que a nossa visão seja clara, que o nosso foco seja inabalável e que a nossa persistência seja teimosa. Requer ousadia para inovar e capacidade de adaptação permanente para corrigir. Para resistir às intempéries que lhe esperam, o SIMPLIFICA precisa de adaptação permanente. Temos de estar todos convictos de que não acertaremos em todas as medidas logo à primeira tentativa. Sempre que tal acontecer a nossa postura só pode ser uma: aprender, adaptar e continuar a marcha.

Ainda ao respeito do capital humano, o SIMPLIFICA pretende também ser uma “reforma mental”. Só assim conseguirá ser não apenas um projecto, mas uma visão de um objectivo que se busca permanentemente, intencionalmente inalcansável e suficientemente estimulante para que seja infinito. Por isso, este é o SIMPLIFICA 1.0. Para que depois venha o 2.0, o 3.0 e assim sucessivamente, num exercício constante de busca pela excelência.

E este é o final do sonho.

Já acordados, resta-me dizer que, se com as notas que apresentei tiver conseguido fazer-vos reflectir por alguns instantes, terei alcançado o meu objectivo.

Que a reflexão nos traga a iluminação de que precisamos. Que a luz nos inspire para acção. Que a acção nos traga o resultado e que o resultado nos faça feliz. Ao cidadão e ao Estado.

Talvez tenha já falado demais para uma sessão cujo mote é “SIMPLIFICA”. Portanto, é hora de terminar.

Proponho-vos uma reflexão sobre o SIMPLIFICA a partir de uma frase de Leonardo Da Vinci: “a simplicidade é o último grau de sofisticação”.

Agradeço a todos as instituições e quadros que se empenharam para que chegassemos até aqui.


Obrigado por sonharmos juntos

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